
Alguém com quem Voar...
Alguém para segurar sua mão!
Você está colhendo seus pepinos e descascando seus abacaxis. Tudo é fruto do que você plantou. Seu casamento de quase vinte anos está desmoronando. Caramba! Ele era a única coisa que tinha dado certo em sua vida! Mas foram tantos altos e baixos e num desses baixos você resolve que é hora de descer do trapézio. É claro que você nunca quis vê seu casamento como um circo ou coisa assim. Quando jovenzinho a gente ouve que casamento é como circo ruim: quem ta fora quer entrar e quem ta dentro que sair. Você entrou e agora está querendo sair. O problema é que sua parceira não consegue ser mais a pessoa que segura você no lance do trapézio. Então a onda é sair antes que os dois despenquem de forma espetacular. Antes que estrague como uma fruta, que foi linda, viçosa e bela. Que passara por todas as fases até madurecer. Ou você a consome voraz e saborosamente ou ela passa. Apodrece.
Havia sido um casamento bom. Dele nasceram belos filhos. Eles agora tinham um importante peso na decisão, apesar de adolescentes. Em se tratando da filha, você não consegue conceber a idéia de um novo parceiro da ex-mulher convivendo de qualquer modo no mesmo ambiente. Você imagina o cara andando quase pelado dentro da casa. Aquele corpo estranho naquele corpo, antes chamado família. Um corpo literalmente estranho.
Quanto aos meninos, tudo bem. Eles ou não têm dimensão do que significa uma separação ou criaram sua bolha protetora e seguem como se nada estivesse acontecendo.
Realidade é que sua poesia, sua filosofia, e todo seu modo de ver e viver a vida não tinha muito lugar na mente da companheira de trapézio. É um modo de analisar unilateralmente o que leva à ruptura de algo tão sólido como um casamento. Pois você, num lampejo de sensatez, entende que as incompatibilidades nem sempre estão no campo dos temperamentos cônjuges. Esse é o problema, não é?
A gente se apaixona por uma pessoa que acha linda. O sorriso dela é um beijo molhado. O beijo dela é aquele néctar dos deuses. O cheiro é feromônio puro. Tem o jeito de andar. Tem o som da voz. Tudo é novidade. Mas o casamento é uma máquina de tortura, que mói o ser amado. E a gente nem percebe quem está com a mão na manivela. Que é você que move o dispositivo. Só vai se dar conta com o gasto dessas novidades. Tudo envelhece e se acomoda como placas tectônicas. A máquina de moer gente, no seu lento processo de rotina causa um certo polimento nas superfícies quase intransponível. E imperceptível, não permite renovo. Então quem aciona a máquina, começa a sentir sede, fome, desejos. Começa a ansiar uma revolução, uma plástica, recauchutagem, lanternagem, novas tintas. Talvez você que estava no comando tenha gritado muitas vezes durante os anos que precisava de algo novo, não necessariamente em outra vítima. Mas na sua companheira ou companheiro de trapézio. Já o outro, na moenda, achava que o melhor que podia fazer para manter a máquina funcionando, era submeter-se.
É um engano ser o passivo. Num casamento o outro precisa, como num teatro, de alguém que lhe seja o partner. Casamento não pode ser como treino para luta de boxe. No boxe existe o sparring. É o cara que segura a porrada. No casamento a pessoa que entra nas fichas dos clubes, dos planos de saúde ou coisa parecida, como dependente, se torna figura descartável. Homens e mulheres proativos desejam parceiros. E parceria pré-supõe interdependência, ajuda mútua, sociedade nos feitos, realizações e resultados. Parceria se estabelece entre iguais. Atletas querem pessoas que corram juntas; pilotos querem co-pilotos; aviadores querem pessoas que gostem de voar. O casamento é a consolidação da busca. É quando encontramos alguém diferentemente igual, mais não tão igual que com o passar dos anos torne-se seu semelhante. O que antigamente chamava-se de alma gêmea. E aí mora o grande e abissal perigo. Porque, a principio queremos alguém diferentemente igual, para depois se tornar igualmente diferente. E não uma cópia, um clone. É nisso que a idéia de alma gêmea foi superado. O cara que luta, que busca, que não se acomoda, que segue irriquieto, não consegue aceitar o comodismo, a paralisia do outro. Pois a preguiça do outro vai fazer você se esborrachar ou cair no ridículo de uma rede de proteção abaixo do trapézio. Essas redes protegem você do chão, mas não da auto-avaliação.
E vivo você quer outro alguém com quem voar!
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